“O tempo, pouco a pouco, me liberou de ter filhos pequenos. Das noites sem dormir e dos dias sem repouso. Mas não fez esquecer das mãos gordinhas que me agarravam sem parar, subiam no meu pescoço, me agarravam, me conquistaram sem restrições e sem duvidar. Dos corpinhos que encheram meus braços e dobraram minhas costas. Das muitas vezes que me chamavam e não permitiam atrasos, espera, nem vacilações.
Mas o tempo tirará de seus lábios meu nome que fora gritado
e cantado, chorado e pronunciado cem, mil vezes. Cancelará, pouco a pouco, a
intimidade da sua pele com a minha e a confiança absoluta que nos fez um único
corpo, com o mesmo cheiro, o mesmo espírito e coragem.
O Tempo separou, para sempre, o pudor e a vergonha com o
prejulgamento da consciência adulta de nossas diferenças. Como se fosse um rio
que escava o seu leito, o tempo colocará em risco a confiança de seus olhos em
mim, como se eu já não fosse uma pessoa onipotente, capaz de parar o vento e
acalmar o oceano, regular o não regulável e curar o incurável.
Deixarão de me pedir ajuda, porque não acreditarão mais que
eu possa salvá-los. Pararão de me imitar porque não desejarão mais se parecer
comigo. Deixarão de preferir a minha companhia pelas dos outros (e, olhe, tenho
que buscar preferir outras companhias também).
Foram-se as paixões, as raivas passageiras e o zelo, o amor
e o medo. Apagaram-se os ecos dos risos e das canções. O acalanto e os “Era uma
vez…” hoje ecoam na eternidade. Porque, com o passar do tempo, meus filhos
descobriram que tenho muitos defeitos e, se eu tiver sorte, algum deles me
perdoará.
Portal Raizes - Autora desconhecida