Recebi do jornalista Jefferson Severino e repasso por achar o texto reflexivo e que vale a pena ler e analisar.
Certamente todos vocês conhecem a história do velho, o
menino e o burro ‒ um conto tradicional ‒ magistralmente contado por Monteiro
Lobato no livro ‘Fábulas’ (Editora Brasiliense). Para não perder o fio da
meada, fui buscar na internet a dita história que eu li quando se era
obrigatório ler livros no primeiro grau, quando cantávamos uma vez por semana o
hino nacional, quando rezávamos em classe, antes de começar a aula (eu sempre
estudei em colégio de padres) e, finalmente quando nas salas de aula tinha um
crucifixo pra gente nunca esquecer daquEle sublime exemplo. Podem não
acreditar, mas eu li muitas páginas e páginas de Monteiro Lobato. Saudades
daquele tempo ! Naquela época menino não caia de árvore e meus pais permitiam a
arriscada aventura porque, na certa, queriam evitar a todo custo que eu
crescesse transformado num analfabeto funcional, escravo do facebook ou
watsapp.
Escolhi essa fábula por vários motivos: o primeiro deles é
que, em se tratando de uma aventura envolvendo um velho, um menino e um burro,
eu conheço bem essas três importantes fases da existência: já fui menino, hoje
para a galera que me chama de tiú, sou velho e muitos me tomam por burro.
Segundo motivo: homenagear, mais uma vez, o Monteiro Lobato que ensinou três
gerações de brasileiros a pensar, e hoje tem seu nome na lista negra do
“politicamente correto”. Terceiro e último motivo: tenho percebido em meus
irmãozinhos de fé, isto é "espíritas como eu", camaradas e amigos de
tantas jornadas, uma eterna insatisfação com tudo e com todos: reclamam que o
espiritismo não vem a público dizer isso e aquilo... Provar que a morte não
existe, manifestações públicas onde os "fantasmas" aparecem... mas
quando um "fantasma de verdade aparece" é um Deus nos acuda. Reclamam
que falta um núcleo de estudos e pesquisas... mas quando disponibiliza-se uma
sala, uma biblioteca, ou núcleo de estudo, viram as costas alegando que não
possuem tempo e fazem propaganda contra (acreditem se quiserem!); reclamam que
espírita não lê, mas passam longe da biblioteca; e quando alguém se atreve a
escrever um livro, ganha alguns desafetos porque acham que o autor não passa de
um aventureiro e por aí vai.
São os que se dizem “espiritualizados”, os justos que
censuram isso e aquilo e que devem primar por aquilo que está sendo escrito ou
lido. Enfim, acreditam que irão mudar a sociedade, o país e o mundo calados e
rezando, pois "espírita" também não pode manifestar-se nem a favor ou
contra. Sempre em cima do muro... Merecem sim este plágio da canção popular:
“As vezes em certos momentos difíceis da vida, em que
precisamos de força para ajudar na saída a palavra de força, nos vem a triste
certeza de que estamos sozinhos e mal pagos! Vocês meus amigos sem fé, meus
primos camaradas, sorrisos e abraços nas mesas de bar...” (Amigo - Roberto
Carlos).
Mas voltemos a Lobato !
Certo dia, pela manhã, o velho chamou o filho e disse: ‒ Vá
pegar o burro no pasto e apronte-se para irmos à cidade. Quero vender o bicho.
O menino foi, e trouxe o burro. Escovou-o bem, a besta ficou
lustrosa! E os dois partiram a pé, puxando o bicho pelo cabresto para que ele
chegasse descansado e impressionar bem os compradores.
Logo no início do caminho, toparam com um vizinho que disse:
‒ Esta é boa! O burro andando vazio e o velho a pé!
O velho achou que o vizinho tinha razão e ordenou ao filho:
‒ Puxa o burro, meu filho! Eu vou montado.
Mas conseguir agradar o mundo é impossível, a não ser
distribuindo cargos, diplomas e medalhas. Logo adiante, ao passar por um bando
de lavadeiras ocupadíssimas em falar mal da vida dos outros, ouviram o
comentário:
‒ Que absurdo! O velho marmanjão montado e a pobre criança a
pé... pai malvado! Te esconjuro!
O velho rosnou e, sem contestar a lavadeira, mandou que o
filho pulasse na garupa.
Andaram uns duzentos metros e lá adiante vinha o Zé Biriba
dando risada! ‒ Que idiotas! Querem vender o bicho e montam os dois de uma vez!
E prossegui rindo rrrssss, que nem um usuário de facebook.
‒ O Zé Biriba tem razão, ponderou o velho. E,
manifestando-se pelo sinal de costume, ordenou: ‒ Não podemos judiar do animal,
ou então nossa foto vai parar na internet!! Eu apeio e você, que é levezinho,
vai montado.
Assim fizeram, até encontrarem um sujeito que tirou o chapéu
de feltro e saudou o menino com irônico respeito:
‒ Bom dia, príncipe!, pois só príncipes andam assim de
lacaio à rédea...
‒ Lacaio, eu?!, esbravejou o velho ‒ Que desaforo! Desce,
meu filho, vamos carregar o burro nas costas!
Nem assim ficaram livres de críticas e considerações finais.
Grupos que passavam pela estranha cavalgada, davam vaias:
‒ Olha os três burros: dois de dois pés e um de quatro! Qual
dos três é o mais burro?
‒ Sou eu, cambada! ‒ replicou o velho, arriando a carga ‒
Sou eu porque estou há uma hora fazendo o que manda minha consciência e me
lascando sozinho!
E para arrematar, recitou o trecho de ‘Os Lusíadas’ de
Camões que sabia de cor:
“Não mais, Musa, não mais que a Lira tenho
Destemperada e a voz enrouquecida,
E não do canto, mas de ver que venho
Cantar a gente surda e endurecida.
O favor com que mais se acende o engenho
Não no dá a pátria, não, que está metida
No gosto da cobiça e na rudeza
Duma austera, apagada e vil tristeza.”
Vale lembrar que carregar um burro nas costas, ou melhor, um
piano, é o esporte preferido daqueles que, além de terem força física e
espiritual, sabem tocar muito bem.